Pão com ovo



Pão com Ovo


Adoro ovo de qualquer jeito. Sempre fui fissurado, até quando, nos anos 80, surgiu uma bossa que dizia "ovo faz mal pra saúde".
Até nesse tempo eu continuei gostando. Gosto dele frito, cozido, molinho, durinho, com bacon, mexido, pode mandar que eu traço legal.



Nos meus tempos de moleque, tinha dias que eu comia três deles fritos, com a gema bem molinha pra molhar o pão.
o tempo foi passando e eu gostando de ovo, sempre que posso tem misturado meu no cardápio.

Outro dia o Claude Falbriard me escreveu lembrando dos sandubas paulistas clássicos como o Bauru do Ponto Chic e o Churrasquinho Grego.


Teve um tempo que eu trabalhava na 7 de Abril, morava em São Bernardo e estudava em Santo André.
Nesse tempo eu saía do trampo às cinco e meia da tarde pra pegar um busão no Parque Dom Pedro às 17H55, isso mesmo, às cinco pras seis.
Eu tinha exatos 25 minutos pra fazer o trecho da 7 de abril até o parque a pé. Era um galope ferrado, mas naquela época eu tinha menos de 27 anos, então era fácil, mamão com açúcar.
Eu dava um gás pra pegar o busão pra não perder a aula que começava às sete e meia. Nesse galope eu despencava pela General Carneiro que nem o Flash Man me alcançava.

Mas tinha uma parada obrigatória: Lá embaixo, pertinho do ponto do busão, tinha um monte de botecos que vendiam sandubas paulistas: Bauru (não como o do Ponto Chic, que é da outra história e eu não vou contar aqui), misto quente, churrasquinho grego e pão com ovo.
A grana era curta e mal dava pro gasto, então eu encarava mesmo era um pão com ovo que eu pegava no balcão num saquinho de papel pardo e sumia na poeira pra pegar o busão.


Essa coisa de anjo da guarda eu acredito porque o meu vive me vigiando.
Quando o ônibus chegava eu desmaiava num banco e só acordava no farol que tinha na esquina do ponto da minha casa.
Era de lei: bastava o ônibus apontar naquela esquina, tcham tcham, lá estava eu aceso. Fiz isso tanto que nem lembro mais como era, só sei que, quando chegava no farol, eu acordava. Eu confiava nele: "na hora o anjo me acorda".

Mas tem o dia da caça e o dia do caçador, né? Então também tem o dia do Anjo e o dia do Capeta. Numa boa, sem querer ofender qualquer crença, é só uma força de expressão.

Naquela semana tinha prova na faculdade e eu tava precisando tirar só 10 pra poder ficar com media 4.5: Entendeu esse pedaço?


No trampo tinha uma turma legal que jogava no bicho pra ganhar algum trocado. Mas tinha o Juninho que era fiel: jogava todo dia. Essa figura entrava no expediente dizendo “qual o palpite pra hoje? Tô na fé que vai dar gato”. Essa frase “vai dar gato” era nossa preferida, principalmente quando o chefe chamava um de nós pra ter um particular lá na sala dele. A galera se entreolhava e murmurava “vai dar gato”. 

Cada um de nós dava um palpite. Eu nunca acertei nada mas na brincadeira eu sempre dizia: “Gato nada que é pequeno, vai dar Cavalo com 44”.

Tudo corria às mil maravilhas, 10 em todas as provas da semana até que, na quinta-feira que era de Geometria, o Juninho ganhou bicho com cavalo na cabeça na milhar no 1944  e resolveu pagar uma rodada de chopp praça Clóvis.


- Juninho, não leva a mal mas eu tenho prova em Santo André e começa  às 19:30.
- Que nada: A turma toda vai estar junto e você não pode faltar, afinal o palpite de jogar no cavalo foi seu e 44 é 19 é a minha idade, quer combinação melhor?
- Juninho, não dá. Tô ferrado, preciso de 10 na prova da CeHlma pra ficar na sala dos professores pra avaliação, minha média tá lá embaixo.
- Não esquenta, a gente toma só um e depois o Célio te leva de moto até o parque. Da Clóvis até lá é só despencar: Nem dá pro botar a terceira.
- Juninho, não leva a mal, mas ...

Não teve jeito: O Juninho, o Célio, o Carlinhos, o Zé Cláudio, o Motta, o Tavares e o Paulão (aquele da Suzie) me pegaram e eu fui.
Claro que não ficou só no primeiro chopp. Teve chopp, bolinho de ovo, chopp, ovo cozido, chopp e pão com ovo e, quando percebi já eram quinze pras seis.

- Célio de deus: preciso chegar no parque até cinco pras seis porque o expressinho vai embora.

Pra deixar curto cheguei a tempo de entrar com o busão já manobrando.
UFA, passei a catraca, dei o passe pro cobrador e me joguei, "na hora o anjo me acorda".

Sonhei que eu tava fazendo a prova - uma dissertação sobre o lance do porquê das perpendiculares no infinito - e que tinha tirado 10 e que a Professora CeHlma tinha até me beijado e eu e ela, quando o cobrador me acordou.

- Moço, ponto final, chegamos, você tem que descer.
- Meu Senhor, que horas são?
- Agora são 7 e quarenta e quatro.




Então chegou o dia do capeta, e eu não sabia.

Dancei.

Chega de Prosa

Marcio Martini
16/07/2020
#ProsaGostosa
http://prosagostosa.blogspot.com/2020/07/pao-com-ovo.html